Joan Clarke

Por: Amanda Gois

    Quando falamos sobre a decifração do Enigma durante a Segunda Guerra Mundial, o nome de Alan Turing vem imediatamente à mente. No entanto, ao lado desse gênio, trabalhou uma mente igualmente brilhante e crucial, cuja história merece ser contada: Joan Elisabeth Lowther Clarke. Uma matemática talentosa e criptoanalista, Joan desempenhou um papel vital na quebra das cifras nazistas, salvando incontáveis vidas.

De Cambridge à Bletchley Park

    Nascida em 24 de junho de 1917, em West Norwood, Londres, Joan Clarke demonstrou aptidão para a matemática desde cedo. Ela frequentou a Dulwich High School for Girls e, em 1936, conquistou uma bolsa para o Newnham College, Cambridge, onde obteve um duplo primeiro grau em matemática. Impressionantemente, ela foi uma “Wrangler” (um dos estudantes com melhor desempenho nos exames de matemática em Cambridge), mas, devido às normas da época, só pôde receber o título de bacharela em Matemática a partir de 1948, quando Cambridge finalmente passou a conferir graus a mulheres.

    Em 1940, o convite de seu orientador, o professor Gordon Welchman, levou Joan a ingressar na GC&CS (Government Code and Cypher School). Inicialmente, ela foi designada para o grupo de mulheres conhecido como “The Girls”, onde cada uma recebia duas libras por dia para tarefas administrativas. Contudo, seu intelecto e dedicação rapidamente a destacaram.

    Pouco tempo depois, Joan conquistou seu próprio espaço na Hut 8, a seção responsável por decifrar as mensagens da Marinha Alemã, codificadas pela máquina Enigma. Lá, Joan se tornou a única mulher integrante das equipes responsáveis por lidar diretamente com a quebra de códigos. Apesar de ter a mesma posição que seus colegas homens, ela nunca recebeu salário equiparado ao deles, um reflexo das desigualdades de gênero da época.

O Banburismus e a quebra do enigma

    A atuação de Joan Clarke foi crucial para o sucesso da decodificação. Ela ajudou no desenvolvimento de mecanismos de aceleração para o Banburismus, o processo inovador criado por Alan Turing para decodificar as mensagens nazistas. Sua capacidade de pensar de forma lógica e sua atenção aos detalhes foram indispensáveis para o complexo trabalho de criptoanálise, que muitas vezes envolvia horas de trabalho árduo para identificar padrões e quebrar as cifras.

    Além de sua parceria profissional, Clarke e Turing desenvolveram um vínculo muito próximo em Bletchley Park. Eles compartilhavam interesses como xadrez e botânica, e chegaram a ser noivos por alguns meses. Mesmo após Turing revelar sua homossexualidade, eles mantiveram uma profunda amizade até a morte dele.

Legado Pós-Guerra e o reconhecimento tardio

    Após o fim da guerra, Joan ingressou no Government Communications Headquarters (GCHQ), o serviço britânico de inteligência. Em 1952, casou-se com o tenente-coronel John Kenneth Ronald Murray. Durante um período em que John se afastou do GCHQ por problemas de saúde, Joan se interessou pela numismática (o estudo de moedas), influenciada pelo marido, e publicou artigos científicos relevantes na área.

    Em 1962, o casal retornou ao GCHQ, aposentando-se em 1971 e 1977, respectivamente. Após o falecimento de John em 1986, Joan continuou seus estudos em numismática em Headington, Inglaterra, recebendo a prestigiada Sandford Saltus Medal da Sociedade Britânica de Numismática. Ela também colaborou com o historiador e criptoanalista Sir Harry Hinsley na escrita de um apêndice para o volume 3, parte 2, do livro British Intelligence in the Second World War.
A história de Joan Clarke ganhou maior visibilidade com o filme “O Jogo da Imitação”, onde foi interpretada pela atriz Keira Knightley. O filme trouxe ao público a importância de seu trabalho e sua relação com Alan Turing, destacando seu papel essencial na história.

    Joan Clarke faleceu em 1996. Segundo o obituário escrito por Lord Stewart da Sociedade Britânica de Numismática, ela era uma pessoa reservada e introspectiva, mas muito gentil e querida por todos que a conheciam. Seu legado nos lembra que, por trás dos grandes feitos da história, muitas vezes existem figuras notáveis cujo impacto só é plenamente reconhecido com o tempo.